Faltavam apenas quatro dias para que a denĂșncia que levaria o ex-presidente Luiz InĂĄcio Lula da Silva Ă prisĂŁo fosse apresentada, mas o coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba tinha dĂșvidas sobre a solidez da histĂłria que contaria ao juiz Sergio Moro.
A apreensão de Deltan Dallagnol, que, junto com outros 13 procuradores, revirava a vida do ex-presidente havia quase um ano, não se devia a uma questão banal. Ele estava inseguro justamente sobre o ponto central da acusação que seria assinada por ele e seus colegas: que Lula havia recebido de presente um apartamento triplex na praia do Guarujå após favorecer a empreiteira OAS em contratos com a Petrobras.
As conversas fazem parte de um lote de arquivos secretos enviados ao Intercept por uma fonte anĂŽnima hĂĄ algumas semanas.
As conversas fazem parte de um lote de arquivos secretos enviados ao Intercept por uma fonte anĂŽnima hĂĄ algumas semanas.
O Ășnico papel do Intercept foi receber o material da fonte, que nos informou que jĂĄ havia obtido todas as informaçÔes e estava ansiosa para repassĂĄ-las a jornalistas.
A declaração conjunta dos editores do The Intercept e do Intercept Brasil explica os critérios editoriais usados para publicar esses materiais, incluindo nosso método para trabalhar com a fonte anÎnima.
No dia 9 de setembro de 2016, precisamente Ă s 21h36 daquela sexta-feira, Deltan Dallagnol enviou uma mensagem a um grupo batizado de IncendiĂĄrios ROJ, formado pelos procuradores que trabalhavam no caso.
Ele digitou: “FalarĂŁo que estamos acusando com base em notĂcia de jornal e indĂcios frĂĄgeis… entĂŁo Ă© um item que Ă© bom que esteja bem amarrado. Fora esse item, atĂ© agora tenho receio da ligação entre petrobras e o enriquecimento, e depois que me falaram to com receio da histĂłria do apto… SĂŁo pontos em que temos que ter as respostas ajustadas e na ponta da lĂngua”.
As matĂ©rias de jornais a que o procurador se referiu sĂŁo as dezenas citadas na peça de acusação. Dallagnol fazia sua Ășltima leitura da denĂșncia e debatia o texto com o grupo, analisando ponto a ponto cada item que seria oferecido Ă 13ÂȘ vara de Curitiba, onde Sergio Moro atuava como juiz.
Naquele dia, ninguĂ©m respondeu Ă dĂșvida de Dallagnol: se o apartamento triplex poderia ser apontado como propina para Lula nos casos de corrupção na Petrobras. O documento seria anunciado ao pĂșblico, com direito a um hoje famoso PowerPoint, dali a poucos dias.
Sem essa ligação, o caso não poderia ser tocado em Curitiba, onde apenas açÔes relacionadas à empresa eram objeto de investigação.
No dia 9 de setembro de 2016, precisamente Ă s 21h36 daquela sexta-feira, Deltan Dallagnol enviou uma mensagem a um grupo batizado de IncendiĂĄrios ROJ, formado pelos procuradores que trabalhavam no caso.
Ele digitou: “FalarĂŁo que estamos acusando com base em notĂcia de jornal e indĂcios frĂĄgeis… entĂŁo Ă© um item que Ă© bom que esteja bem amarrado. Fora esse item, atĂ© agora tenho receio da ligação entre petrobras e o enriquecimento, e depois que me falaram to com receio da histĂłria do apto… SĂŁo pontos em que temos que ter as respostas ajustadas e na ponta da lĂngua”.
As matĂ©rias de jornais a que o procurador se referiu sĂŁo as dezenas citadas na peça de acusação. Dallagnol fazia sua Ășltima leitura da denĂșncia e debatia o texto com o grupo, analisando ponto a ponto cada item que seria oferecido Ă 13ÂȘ vara de Curitiba, onde Sergio Moro atuava como juiz.
Naquele dia, ninguĂ©m respondeu Ă dĂșvida de Dallagnol: se o apartamento triplex poderia ser apontado como propina para Lula nos casos de corrupção na Petrobras. O documento seria anunciado ao pĂșblico, com direito a um hoje famoso PowerPoint, dali a poucos dias.
Sem essa ligação, o caso não poderia ser tocado em Curitiba, onde apenas açÔes relacionadas à empresa eram objeto de investigação.
A ligação do apartamento com a corrupção na petrolĂfera tinha gerado uma guerra jurĂdica nos primeiros meses daquele 2016. De um lado, o MinistĂ©rio PĂșblico do Estado de SĂŁo Paulo. Do outro, a força-tarefa de Curitiba.
Caso o caso ficasse em SĂŁo Paulo, nĂŁo seria julgado por Sergio Moro, o atual ministro da Justiça de Jair Bolsonaro e ex-juiz que ajudou coordenar a operação quando era o encarregado pela 13ÂȘ Vara Federal de Curitiba, como mostram diĂĄlogos revelados pelo Intercept.
O MPSP jå investigava o caso Bancoop muito antes de Curitiba. Em uma disputa que envolveu até mesmo o Supremo Tribunal Federal, a Lava Jato tentava tirar o caso das mãos dos paulistas para denunciar e julgar Lula em Curitiba. Para isso, o imóvel de Lula precisaria obrigatoriamente ter relação com a corrupção na Petrobras.
Não era o entendimento dos promotores de São Paulo. Em março de 2016, ao recorrerem de uma decisão judicial que jogava o caso nas mãos de Dallagnol, eles disseram:
Caso o caso ficasse em SĂŁo Paulo, nĂŁo seria julgado por Sergio Moro, o atual ministro da Justiça de Jair Bolsonaro e ex-juiz que ajudou coordenar a operação quando era o encarregado pela 13ÂȘ Vara Federal de Curitiba, como mostram diĂĄlogos revelados pelo Intercept.
O MPSP jå investigava o caso Bancoop muito antes de Curitiba. Em uma disputa que envolveu até mesmo o Supremo Tribunal Federal, a Lava Jato tentava tirar o caso das mãos dos paulistas para denunciar e julgar Lula em Curitiba. Para isso, o imóvel de Lula precisaria obrigatoriamente ter relação com a corrupção na Petrobras.
Não era o entendimento dos promotores de São Paulo. Em março de 2016, ao recorrerem de uma decisão judicial que jogava o caso nas mãos de Dallagnol, eles disseram:
“Em 2009/2010 nĂŁo se falava de escĂąndalo na Petrobras. Em 2005 quando o casal presidencial, em tese, começou a pagar pela cota-parte do imĂłvel, nĂŁo havia qualquer indicação do escĂąndalo do ‘petrolĂŁo’. Ao contrĂĄrio, estĂĄvamos no perĂodo temporal referente ao escĂąndalo do ‘mensalĂŁo’. NĂŁo Ă© possĂvel presumir genericamente e sem conhecer detidamente as investigaçÔes que tramitam perante a 13ÂȘ Vara Criminal Federal de Curitiba que tudo tenha partido de corrupção na estatal envolvendo desvio de recursos federais.”
Mas a Lava Jato venceu e, pouco tempo depois, os procuradores conseguiram tirar o caso de SĂŁo Paulo alegando que o caso do triplex tinha, sim, envolvimento com a Petrobras. Agora, com a revelação das conversas secretas do grupo da Lava Jato, descobre-se que os procuradores blefaram – eles nĂŁo tinham certeza dessa relação nem mesmo poucas horas antes de apresentarem a denĂșncia.
E, assim, o caso parou no colo do aliado Sergio Moro.
Mas a Lava Jato venceu e, pouco tempo depois, os procuradores conseguiram tirar o caso de SĂŁo Paulo alegando que o caso do triplex tinha, sim, envolvimento com a Petrobras. Agora, com a revelação das conversas secretas do grupo da Lava Jato, descobre-se que os procuradores blefaram – eles nĂŁo tinham certeza dessa relação nem mesmo poucas horas antes de apresentarem a denĂșncia.
E, assim, o caso parou no colo do aliado Sergio Moro.
CERCA DE 24 HORAS DEPOIS, no sĂĄbado, 10, quando aparentemente chegou ao item 191 do documento (que teria, em sua redação final, 274 itens), Dallagnol vibrou com o que leu. Ele escreveu, Ă s 22h45: “tesao demais essa matĂ©ria do O GLOBO de 2010. Vou dar um beijo em quem de Vcs achou isso.”
A reportagem a qual ele se referia – “Caso Bancoop: triplex do casal Lula estĂĄ atrasado” – foi a primeira a tratar do apartamento no GuarujĂĄ, muito antes da Lava Jato. Sem mencionar OAS ou Petrobras, ela dizia apenas que a falĂȘncia da cooperativa que construĂa o prĂ©dio poderia prejudicar o casal Lula.
Seguiu-se então uma série de mensagens de Dallagnol a respeito da reportagem:
Seguiu-se então uma série de mensagens de Dallagnol a respeito da reportagem:
Deltan Dallagnol – 23:05:11 – Sabemos qual a fonte da matĂ©ria? SerĂĄ que nĂŁo vale perguntar para a repĂłrter, a Tatiana Farah, qual foi a vonte dela? [O procurador certamente quis escrever “fonte”]
23:05:29 – Acho que vale. Informalmente e, se ela topar, dĂĄ para ouvi-la
.
23:05:58 – Pq se ele jĂĄ era dono em 2010 do triplex… a reportagem Ă© um tesĂŁo, mas se convertermos em testemunho pode ser melhor
23:05:58 – Pq se ele jĂĄ era dono em 2010 do triplex… a reportagem Ă© um tesĂŁo, mas se convertermos em testemunho pode ser melhor
23:06:08 – Podemos fazer contato via SECOM, topam?
23:06:27 – vou pedir pra ascom o contato
No mesmo minuto, Dallagnol foi a outro chat no Telegram em que alĂ©m dele estavam apenas os dois assessores de imprensa da operação em Curitiba. “Consegguem pra mim o contato da reporter que fez esta matĂ©ria?”, ele teclou. “pede celular, please… precisamos meio que urgente”, insistiu, Ă s 23h55, sem perceber que um dos assessores jĂĄ enviara o nĂșmero da jornalista.
Mesmo antes de ter o telefone, no entanto, Dallagnol jĂĄ parecia aliviado quando retornou ao grupo IncendiĂĄrios ROJ, em que postou Ă s 23h08:
“Vcs nĂŁo tĂȘm mais a mesma preocupacção que tinham quanto ao imĂłvel, certo? Pergunto pq estou achando top e nĂŁo estou com aquela preocupação. Acho que o slide do apto tem que ser didĂĄtico tb. Imagino o mesmo do lula, balĂ”es ao redor do balĂŁo central, ou seja, evidĂȘncias ao redor da hipĂłtese de que ele era o dono”, jĂĄ sugerindo a ideia para o PowerPoint que apresentaria aos jornalistas dali a alguns dias.
Quando voltou ao grupo com os assessores e viu que o nĂșmero de telefone havia sido enviado, ele imediatamente encaminhou o contato aos procuradores Roberson Pozzobon e JĂșlio Noronha, junto com um pedido e algumas orientaçÔes:
Quando voltou ao grupo com os assessores e viu que o nĂșmero de telefone havia sido enviado, ele imediatamente encaminhou o contato aos procuradores Roberson Pozzobon e JĂșlio Noronha, junto com um pedido e algumas orientaçÔes:
Deltan Dallagnol – 23:56:11 – Vcs ligam pra ela?
23:57:24 – Na ligação tem que ser totalmente respeitoso e deferencial em relação ao sigilo de fonte
23:58:14 – Tem que dizer que viram, queriam parabenizar pela matĂ©ria, e que, respeitado o dto de fonte, caso nĂŁo seja o casso de manter o sigilo, se ela poderia indicar quem foi a fonte, ainda que ap´so eventual conferĂȘncia ou conversa com as fontes…
Pelo diĂĄlogo no grupo IncendiĂĄrios ROJ, nĂŁo Ă© possĂvel saber se Pozzobon ou Noronha fizeram o que lhes foi pedido. Mas a reportagem seria mencionada ainda outra vez nas conversas privadas, agora a dois dias da entrevista em que a denĂșncia contra Lula seria apresentada.
No dia seguinte, vĂ©spera da denĂșncia, foi a vez do procurador JanuĂĄrio Paludo se lembrar da matĂ©ria do Globo num outro chat, intitulado Filhos do JanuĂĄrio 1:
“Conversei com a TATIANA FARAH DE MELLO, que fez a reportagem em 2010 sobre o TRIPLEX. Ela realmente confirmou que foi para GUARUJA e lĂĄ colheu diversas informaçÔes sobre os empreendimentos da BANCOOP.
A matĂ©ria era para ser sobre a BANCOOP e o calote dado nos mutuĂĄrios. Em guaruja conversando com funcionĂĄrios da obra – que ainda estava no esqueleto, Ă© que ela descobriu que o triplex seria do Lula. Ela manteve contato com a Assessoria de comunicação do PalĂĄcio do Planalto que confirmou a informação. Toda parte documental, como e-mail e outros dados foram inutilizados quando ela saiu do ‘o Globo’. Acho que podemos tomar por termo o depoimento. Marco uma video e pronto”, escreveu o procurador Ă s 17h40.
“Boooooa demais Jan!”, respondeu imediatamente Pozzobon. Mas outro procurador, Carlos Fernando dos Santos Lima, pediu prudĂȘncia: “Creio que tomar depoimento de jornalista nĂŁo Ă© conveniente.”
OS PROBLEMAS DA PROVA QUE MORO CHAMOU DE ‘BASTANTE RELEVANTE’
A REPORTAGEM DO GLOBO nĂŁo foi um item trivial nesse caso: alĂ©m de figurar na denĂșncia como prova de que o triplex era de fato do casal Lula, foi usada na sentença assinada por Sergio Moro. Sobre ela, o juiz escreveu: “A matĂ©ria em questĂŁo Ă© bastante relevante do ponto de vista probatĂłrio.”
Mas a reportagem nĂŁo bate com ao menos dois pontos do que Ă© dito na denĂșncia do MPF.
O texto do Globo atribui o triplex a Lula e, para comprovar isso, usa a declaração do então candidato à reeleição apresentada à Justiça Eleitoral em 2006.
Ela afirma o seguinte: “Participação Cooperativa Habitacional Apartamento em construção no GuarujĂĄ – SP Maio 2005 – R$ 47.695,38 jĂĄ pagos”. Em tese, a cota poderia ser usada para qualquer apartamento – a defesa de Lula alegaria mais tarde que se tratava de uma unidade simples. O que Ă© certo Ă© que a palavra triplex nĂŁo aparece na lista de bens do polĂtico usada pelo Globo.
A segunda inconsistĂȘncia poderia ter sido percebida pelos procuradores com uma leitura atenta da prĂłpria reportagem. A matĂ©ria do Globo atribuiu a Lula a propriedade de um triplex na torre B, o prĂ©dio dos fundos do condomĂnio.
A segunda inconsistĂȘncia poderia ter sido percebida pelos procuradores com uma leitura atenta da prĂłpria reportagem. A matĂ©ria do Globo atribuiu a Lula a propriedade de um triplex na torre B, o prĂ©dio dos fundos do condomĂnio.
Isso fica claro na matĂ©ria: “A segunda torre (a torre A), se construĂda como informa a planta do empreendimento, lançado no inĂcio dos anos 2000, pode acabar com parte da alegria de Lula: o prĂ©dio ficarĂĄ na frente do imĂłvel do presidente, atrapalhando a vista para o mar do GuarujĂĄ, cidade do litoral paulista”.
Na denĂșncia feita pela Lava Jato, no entanto, os procuradores afirmam que o triplex de Lula fica na torre A, que ainda nĂŁo existia quando a reportagem foi publicada.
Na denĂșncia feita pela Lava Jato, no entanto, os procuradores afirmam que o triplex de Lula fica na torre A, que ainda nĂŁo existia quando a reportagem foi publicada.
Mas, no item 191 da denĂșncia assinada pelos 14 procuradores, hĂĄ o seguinte trecho (citando a reportagem do Globo): “Essa matĂ©ria dava conta de que o entĂŁo Presidente LULA e MARISA LETĂCIA seriam contemplados com uma cobertura triplex, com vista para o mar, no referido empreendimento”.
Segundo a apuração do jornal, isso não é verdade. A reportagem diz claramente que o casal Lula da Silva perderia a vista para o mar com a construção da torre A, que seria erguida à frente da torre B, portanto, em frente ao triplex que o Globo atribuiu a Lula.
A Lava Jato usou a reportagem como prova de que o apartamento era, sim, uma propriedade ou uma aspiração da famĂlia presidencial, mas indicou outro imĂłvel na denĂșncia. Uma evidĂȘncia de que a investigação foi imprecisa num dos pontos mais cruciais da acusação: na definição do imĂłvel que materializaria a propina que Lula teria recebido da empreiteira.
Ao longo de semanas, nĂłs tentamos contatos com fontes que poderiam ter acesso Ă troca de e-mails entre a assessoria do petista e a repĂłrter do jornal, mas nĂŁo obtivemos sucesso. Enquanto o Globo alega que os e-mails foram “inutilizados”, a assessoria diz nĂŁo ter guardado cĂłpia.
Segundo a apuração do jornal, isso não é verdade. A reportagem diz claramente que o casal Lula da Silva perderia a vista para o mar com a construção da torre A, que seria erguida à frente da torre B, portanto, em frente ao triplex que o Globo atribuiu a Lula.
A Lava Jato usou a reportagem como prova de que o apartamento era, sim, uma propriedade ou uma aspiração da famĂlia presidencial, mas indicou outro imĂłvel na denĂșncia. Uma evidĂȘncia de que a investigação foi imprecisa num dos pontos mais cruciais da acusação: na definição do imĂłvel que materializaria a propina que Lula teria recebido da empreiteira.
Ao longo de semanas, nĂłs tentamos contatos com fontes que poderiam ter acesso Ă troca de e-mails entre a assessoria do petista e a repĂłrter do jornal, mas nĂŁo obtivemos sucesso. Enquanto o Globo alega que os e-mails foram “inutilizados”, a assessoria diz nĂŁo ter guardado cĂłpia.
Uma terceira dĂșvida, portanto, ainda permanece: a reportagem diz que Lula era dono de um triplex no prĂ©dio, mas diz que a assessoria da PresidĂȘncia confirmou que o petista tinha um “imĂłvel” no local.
O que Ă© verdade: a cota estava declarada em seu imposto de renda. Sem os e-mails, nĂŁo hĂĄ como saber se o Globo inquiriu Lula sobre o triplex ou apenas sobre um imĂłvel, ou se a assessoria do petista tomou uma coisa por outra – e, sem querer, abasteceu a denĂșncia que viria contra Lula anos depois.
Ainda que a localização do triplex na torre A ou B pareça irrelevante para a acusação por lavagem de dinheiro, ela deveria ao menos colocar em dĂșvida o valor de prova da reportagem, mencionada por Moro como um dos argumentos para a condenação de Lula.
O que Ă© verdade: a cota estava declarada em seu imposto de renda. Sem os e-mails, nĂŁo hĂĄ como saber se o Globo inquiriu Lula sobre o triplex ou apenas sobre um imĂłvel, ou se a assessoria do petista tomou uma coisa por outra – e, sem querer, abasteceu a denĂșncia que viria contra Lula anos depois.
Ainda que a localização do triplex na torre A ou B pareça irrelevante para a acusação por lavagem de dinheiro, ela deveria ao menos colocar em dĂșvida o valor de prova da reportagem, mencionada por Moro como um dos argumentos para a condenação de Lula.
‘A DENĂNCIA Ă BASEADA EM MUITA PROVA INDIRETA DE AUTORIA, MAS NĂO CABERIA DIZER ISSO’
NA VĂSPERA DA DENĂNCIA, Dallagnol voltou ao celular e comentou mais uma vez sobre a peça de acusação, analisando a qualidade das provas que eles tinham em mĂŁos. “A opiniĂŁo pĂșblica Ă© decisiva e Ă© um caso construĂdo com prova indireta e palavra de colaboradores contra um Ăcone que passou incolume pelo mensalĂŁo”, ele teclou no grupo Filhos do JanuĂĄrio 1.
No dia seguinte, quarta-feira, 14, a Lava Jato mostraria sua primeira denĂșncia contra Lula, numa entrevista coletiva em uma sala de reuniĂ”es de um hotel de luxo em Curitiba. O triplex – segundo a Lava Jato, reformado pela OAS e doado ao polĂtico como propina em contratos da empreiteira com a Petrobras – era a peça central da denĂșncia por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Dallagnol voltaria ao assunto numa conversa privada com o entĂŁo juiz Sergio Moro, em 16 de setembro, dois dias apĂłs a denĂșncia. O procurador estava sendo duramente criticado por parte da opiniĂŁo pĂșblica, que alegava fragilidade na denĂșncia. Tinha virado, tambĂ©m, alvo de chacotas e memes pelo PowerPoint que apresentou na entrevista coletiva.
O coordenador da Lava Jato escreveu a Moro: “A denĂșncia Ă© baseada em muita prova indireta de autoria, mas nĂŁo caberia dizer isso na denĂșncia e na comunicação evitamos esse ponto.”
Depois, entrou em detalhes tĂ©cnicos: “NĂŁo foi compreendido que a longa exposição sobre o comando do esquema era necessĂĄria para imputar a corrupção para o ex-presidente. Muita gente nĂŁo compreendeu porque colocamos ele como lĂder para imperar 3,7MM de lavagem, quando nĂŁo foi por isso, e sim para inputar 87MM de corrupção.”
Em privado, Dallagnol confirmava a Moro que a expressĂŁo usada para se referir a Lula durante a apresentação Ă imprensa (“lĂder mĂĄximo” do esquema de corrupção) era uma forma de vincular ao polĂtico os R$ 87 milhĂ”es pagos em propina pela OAS em contratos para obras em duas refinarias da Petrobras – uma acusação sem provas, ele mesmo admitiu, mas que era essencial para que o caso pudesse ser julgado por Moro em Curitiba.
Preocupado com a repercussĂŁo pĂșblica de seu trabalho – uma obsessĂŁo do procurador, como demonstra a leitura de diversas de suas conversas –, ele prossegue:
Em privado, Dallagnol confirmava a Moro que a expressĂŁo usada para se referir a Lula durante a apresentação Ă imprensa (“lĂder mĂĄximo” do esquema de corrupção) era uma forma de vincular ao polĂtico os R$ 87 milhĂ”es pagos em propina pela OAS em contratos para obras em duas refinarias da Petrobras – uma acusação sem provas, ele mesmo admitiu, mas que era essencial para que o caso pudesse ser julgado por Moro em Curitiba.
Preocupado com a repercussĂŁo pĂșblica de seu trabalho – uma obsessĂŁo do procurador, como demonstra a leitura de diversas de suas conversas –, ele prossegue:
“Ainda, como a prova Ă© indireta, ‘juristas’ como Lenio Streck e Reinaldo Azevedo falam de falta de provas. Creio que isso vai passar sĂł quando eventualmente a pĂĄgina for virada para a prĂłxima fase, com o eventual recebimento da denĂșncia, em que talvez caiba, se entender pertinente no contexto da decisĂŁo, abordar esses pontos”, escreveu a Sergio Moro.
Dois dias depois, Moro afagaria o procurador: “Definitivamente, as crĂticas Ă exposição de vcs sĂŁo desproporcionais. Siga firme.” Menos de um ano depois, o juiz condenaria Lula a nove anos e seis meses de prisĂŁo.
Atualização
A força-tarefa da Lava Jato no MinistĂ©rio PĂșblico Federal emitiu trĂȘs notas apĂłs a publicação da reportagem. Nelas, dedicou especial atenção Ă “ação criminosa de um hacker que praticou os mais graves ataques Ă atividade do MinistĂ©rio PĂșblico, Ă vida privada e Ă segurança de seus integrantes” e disse que “oferece acusaçÔes quando presentes provas consistentes dos crimes. Antes da apresentação de denĂșncias sĂŁo comuns debates e revisĂ”es sobre fatos e provas, de modo a evitar acusaçÔes frĂĄgeis em prejuĂzo aos investigados”. “No caso Triplex, a prĂĄtica dos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro foi examinada por nove juĂzes em trĂȘs instĂąncias que concordaram, de forma unĂąnime, existir prova para a condenação.”
TambĂ©m em nota, o ministro Sergio Moro disse que “nĂŁo se vislumbra qualquer anormalidade ou direcionamento da atuação enquanto magistrado, apesar de terem sido retiradas de contexto e do sensacionalismo das matĂ©rias”.
Dois dias depois, Moro afagaria o procurador: “Definitivamente, as crĂticas Ă exposição de vcs sĂŁo desproporcionais. Siga firme.” Menos de um ano depois, o juiz condenaria Lula a nove anos e seis meses de prisĂŁo.
Atualização
A força-tarefa da Lava Jato no MinistĂ©rio PĂșblico Federal emitiu trĂȘs notas apĂłs a publicação da reportagem. Nelas, dedicou especial atenção Ă “ação criminosa de um hacker que praticou os mais graves ataques Ă atividade do MinistĂ©rio PĂșblico, Ă vida privada e Ă segurança de seus integrantes” e disse que “oferece acusaçÔes quando presentes provas consistentes dos crimes. Antes da apresentação de denĂșncias sĂŁo comuns debates e revisĂ”es sobre fatos e provas, de modo a evitar acusaçÔes frĂĄgeis em prejuĂzo aos investigados”. “No caso Triplex, a prĂĄtica dos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro foi examinada por nove juĂzes em trĂȘs instĂąncias que concordaram, de forma unĂąnime, existir prova para a condenação.”
TambĂ©m em nota, o ministro Sergio Moro disse que “nĂŁo se vislumbra qualquer anormalidade ou direcionamento da atuação enquanto magistrado, apesar de terem sido retiradas de contexto e do sensacionalismo das matĂ©rias”.
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